sexta-feira, 31 de agosto de 2007

CARETA

Léo nem acreditou quando aquela gata começou a puxar papo com ele. Já não agüentava mais aquelas aulas sobre a Teoria da Comunicação, sobre como ser um jornalista de sucesso, plano de edição, aquele papo teórico, que merda ficar estudando aquela altura do campeonato, porque não fez isso mais cedo, caras tão malucos quanto ele já estavam formados e ganhando uma boa grana bem gasta em programas que adoraria estar participando. Não tinha saco para a excitação pós adolescente que contaminava a sala, panelinhas, demonstrações explícitas de sabedoria, foi mesmo redentor quando a morena gostosinha de beleza exótica veio até ele e começou a conversar. Justo ela que Léo tinha ficado de olho desde o primeiro dia de aula. Finalmente as coisas naquela faculdade começavam a valer à pena, ela queria saber tudo, sua idade, de onde vinha, porque estava fazendo aquele curso, seus planos...
- Muito gata!! Deve ter se cansado desses pirralhinhos que babam por ela o dia inteiro... Sacou que eu sou diferente de todos - pensou enquanto conversava .
A garota era muito simpática, instigava a todos, falava sobre vários assuntos, sobre os planos de terminar a faculdade em no máximo dois anos, sobre o processo seletivo da Globo, o sonho de ingressar em telejornalismo, defendia a responsabilidade social dos meios de comunicação, achava a sociedade muito competitiva, mas garantia estar preparada para adaptar a ela. Não gostava muito de nights, já havia passado sua época, "tem uma hora que a pessoa tem que começar a acordar para a vida real", disse. Sua rotina era tão corrida que quando chegava o final de semana ela só queria saber de dormir, relaxar e cuidar do corpo (que corpo)...
Léo continuava muito interessado no papo, não sabia se era só pela beleza ou se aquele jeito insinuante e ao mesmo tempo careta de ser estava o contagiando - È perfeita...muito gata - pensou novamente - Eu iria pra qualquer lugar que ela me pedisse, faria qualquer coisa...
Por aquela garota valeria a pena mudar sua rotina, seus velhos conceitos. Trocaria finais de semana de bebedeira por noites serenas e aconchegantes ao lado de uma bela mulher, vendo filminhos no DVD e na televisão. No dia seguinte iriam à praia mesmo que fosse antes do meio dia, por que não? Seria ótimo, afinal teria sexo de ótima qualidade, companhia, carinho e sua saúde e forma física melhorariam naturalmente. Teria que mudar um pouco sua postura também. Tudo bem, afinal o que adianta manter seu espírito contestador, sua postura rebelde? A sociedade não vai mudar, nem ao menos seus amigos e conhecidos irão mudar por sua influência. Provavelmente, um novo visual seria necessário, ela não deve curtir muito esse estilo largado... Adeus cabeleira e barba por fazer. Nada de mais, nesse clima do Rio um visual clean é uma ótima pedida. Obviamente teria que fazer alguns programinhas sacrificantes, almoços e churrascos com a família dela (ela tem cara de ter uma família enorme) não seriam tão ruins assim. Afinal ser bajulado por sogro, sogra, tios e tias, falar exatamente o que eles querem ouvir e comer regadamente não é nenhuma tortura. Finalmente, suas prioridades iriam mudar, talvez o mais difícil de tudo. Festas que nunca terminam, fins de noite na sarjeta, viagens drogadas, pegação com várias mulheres diferentes iriam dar lugar a um gás maior nos estudos, melhorar o CR para arranjar um estágio legal, uma chance de promoção, arrumar um pistolão e encaminhar sua vida. - É inevitável – concluiu - Mais cedo ou mais tarde todos os seus amigos loucos e peguetes fáceis irão desaparecer, era melhor que ele tomasse a iniciativa e mudasse logo de uma vez. Seria bem melhor do que terminar sozinho levantando sua bandeira.

Estava tão concentrado nos seus pensamentos que tomou um susto quando a menina cortou o assunto para atender ao telefone
- Peraí, Léo, namorado ligando !!! Vou atender ali na frente porque não tá dando para ouvir....
Aquilo foi um choque. A principio ficou muito puto com o "estado civil" da bela morena e envergonhado por seus próprios pensamentos, tanto que saiu de fininho do local...Depois de um tempo, voltando pra casa, começou a pensar melhor naquilo tudo. Ela havia despertado coisas que ele nunca tinha pensado e planejado antes. Há muito tempo que não se sentia tão empolgado quanto naqueles minutos de divagação. Talvez aquela garota que ele nem lembrava o nome não fosse mesmo para ele... Talvez ela fosse apenas um anjo que havia aparecido para indicar a possibilidade de um novo mundo. Entediante mundo novo ? Pode até ser, só que mais que o atual? Não tinha mais dúvidas...
Lembrou-se de Carola, menina recatada e amável que sempre teve uma queda por ele... Chegou em casa animado e decidido pensando que talvez conseguisse arrumar um bom programa para aquele dia e para os outros que estavam por vir....

domingo, 26 de agosto de 2007

Afinidades

Gabriel estava distraído no bar. Estava com dois amigos, conhecidos, por assim dizer. Não era um dos programas mais empolgantes, havia saído porque era sexta-feira, depois de uma semana difícil queria sair de casa e relaxar. Não prestava atenção nos assuntos da mesa, seu olhar estava perdido procurando alguma coisa ou alguém mais interessante. De repente avista uma linda garota, uma morena de olhos negros e boca carnuda, de óculos, ar intelectual, fazia um estilo alternativo. Era Mariana que logo também o reconheceu

- Gabriel !!! Quanto tempo !!! Nossa, que saudades de você !!! - Mariana abraçava Gabriel forte, extremamente carinhosa

- É mesmo !!! Quanto tempo hein... - ele era bem mais discreto, embora provavelmente estivesse mais empolgado que ela com aquele reencontro

- E aí ?? Por onde você andou, estava com saudades, quanto tempo, três meses ?? O que tem feito?? - ele inicia o assunto rapidamente tentando fazer um estilo descolado para a menina

- Ai, tenho feito muita coisa...Você sabia que eu entrei pra Artes Cênicas né...Cara, foi muito bom para mim.... To amando, sou outra pessoa !!! Viajei pra Bahia também, fui com uma amiga, fiquei muito doida, me perdi dela, acabei conhecendo um carinha que acabou salvando a minha vida....Foi maravilhoso !! E você, o que tem feito?

- Ah, sei lá.... - Gabriel responde, achando típico tanta coisa ter acontecido com ela, meio constrangido por sua vida ter continuado na mesma rotina - Estou na mesma, escrevendo umas coisas, ainda na faculdade, saindo por aí no final de semana....

- Lembra do Reveillon que a gente passou na Ilha Grande, daquele Carnaval de séculos atrás? ... Da gente bebendo até altas horas na Lapa, em Ipanema....Sempre me lembro dessa época !!

- Pois é !! A boemia não mudou nada !! - ele vira um chopp relativamente cheio e solta uma gargalhada, havia se transformado num personagem boêmio e selvagem – A gente não tem conserto, continuamos saindo e viajando direto, perdendo a linha....

- Tenho muita saudades desses programas...As vezes fico de saco cheio desse pessoal... Daquela coisa de ator, é sempre "me amem, eu sou o máximo, eu sou um merda"... É tudo muito sério, dramático... Óbvio que eu também sou muito assim!! Sou totalmente desse jeito!! Mas às vezes sinto falta de outro tipo de programa, de um pessoal mais tranquilão, sossegado... - ela falava e gesticulava sem parar com sua voz rouca e sexy. Gabriel, como sempre, ouvia atentamente, fascinado e hipnotizado pelo jeito expansivo e cheio de vida daquela garota

- Eu sei do que você sente falta! Você sente falta da gente ! - começava a relaxar e falar mais, culpa das duas cervejas que virou em poucos minutos - Sente falta das nossas viagens, das nossas piadas, de ficar falando besteira e relaxando na praia o dia inteiro, sem nada pra fazer...sente falta de mim !!

- Ahhhh que fofo !! - meiga de uma forma quase fraternal - Você falou tudo...você me conhece mesmo, né ? Sempre conheceu....

- É...acho que sim... Devo conhecer... - responde timidamente, inibido pela deixa, nunca teve atitude suficiente para aproveitar uma oportunidade daquela e falar como realmente se sentia.

Justamente nesse momento aparecem do nada duas meninas agitadas e falando alto:

- Mari !!! Que merda, foi mal pelo atraso...Você não sabe o perrengue que foi chegar aqui...Cara, a gente tem que ir agora, já estamos atrasadas - tinham o mesmo estilo e jeito de falar de Mariana, porém sem o mesmo brilho natural da musa de Gabriel

- Nossa, sequelei, estamos super atrasadas, temos que ir!!! A gente vai na festa da Fernandinha Almeida...Ela é um saco, mas as festas são fodas !! Vamos nos falar, Gabriel, beijão !!! - num instante se esqueceu do assunto e se despediu rapidamente..

Mais uma vez ela desaparecia de uma hora para outra como sempre acontecia, justo no momento em que ele estava começando a acompanhar seu ritmo. Gabriel não voltou a conversar com seus amigos malas. Ficou pensando no casal que nunca daria certo. Será que era culpa dele, por nunca ter tido a coragem de ser mais audacioso e instintivo, por nunca ter tentado nada com a garota por quem sempre fora apaixonado? Ou seria dela, muito egocêntrica e indiferente, que nunca teve a sensibilidade de perceber o ótimo cara que sempre esteve por perto? Talvez de nenhum dos dois. Provavelmente era mais um exemplo que na maioria das vezes gostar de alguém não é algo recíproco e que um relacionamento requer coisas muito mais complexas e ao mesmo tempo mais simples do que uma mera afinidade....

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Contracultura e Establishment

Tudo bem, falar mal do establishment é uma coisa bem recorrente. Criticar o capitalismo, dizer que nós vivemos numa feroz sociedade de consumo não é nenhuma novidade. O que realmente importa é saber se existe e como pode aparecer uma manifestação que possa servir de alternativa a tudo isso que já encheu o saco. A famosa contracultura, admirada por uns e ridicularizada por outros pode servir de alternativa cultural e comportamental pra gente? Aonde que ela errou? Deve ser reinventada, adaptada?
O fato é que há um clima nebuloso no ar...Acho que a minha geração está começando a experimentar a necessidade de ter que se adaptar. Estão sumindo os loucos, irresponsáveis, boêmios, enfim, todos aqueles que pareciam viver num mundo paralelo. Os cabelos estão mais curtos, os assuntos mudaram. Não se falam de festas, bebedeiras, viagens e mulheres como antes... Até aí tudo bem, faz parte do processo. O grande problema é que essa alienação juvenil não foi substituída por um processo de criatividade, um despertar artístico e intelectual e sim pelos velhos mandamentos do establishment. Os assuntos e preocupações se resumem apenas no estágio de fulano, as perspectivas profissionais de sicrano, pós-graduação, empreendimento... A regra básica é se tornar um espelho da família, caso estes sejam bem sucedidos e seguir uma série de mandamentos pré-estabelecidos para se atingir ao sucesso. No campo pessoal o recomendável é arrumar uma namorada certinha e centrada e, principalmente, sossegar... Do que se trata a coluna então? Um manifesto retrô, de um admirador do espírito contestador e transgressor do passado? Admito que em parte o estereotipo é verdadeiro. No entanto, esse manifesto é modesto, não tem grandes ilusões. Propõe apenas um relaxamento nessa pressão que é colocada nas nossas costas a cada ano que passa. Tudo bem, precisamos nos adaptar a certos padrões, principalmente àqueles que vão nos garantir uma vida saudável. O que é errado é comprar todo pacote que nos é apresentado e viver uma vida cheia de etapas marcadas, previsíveis, um futuro vazio e pré-estabelecido. Principalmente os pseudo-velhos, jovens na faixa dos vinte anos, precisam entender que ainda tem muito que viver, que não precisam se esconder dentro de nenhuma estrutura e podem se permitir a novas experiências, abrir a cabeça, viver momentos de curtição e até mesmo não se comprometer com nada. A imaturidade não pode ser vista como motivo de incompetência ou depreciação. Se há uma vantagem em vivermos mais que nossos pais e avós é o tempo maior que temos em aprender a viver. Acredito cada vez mais que a condição de aprendiz entre estes “mais velhos” é muito mais um mérito do que qualquer outra coisa.
O grande desafio contemporâneo é encontrar um equilíbrio entre ser responsável e independente sem destruir a juventude que a gente ainda tem. Dessa forma, seria superada a dicotomia entre o transgressor, com intensa criatividade, mas perdido dentro da sociedade, e o padronizado, adaptado às regras e frustrado com a própria vida. Contracultura e Establishment se completam se forem absorvidos na medida e tempo certos e é nisso que eu irei acreditar enquanto for possível.