sábado, 13 de outubro de 2007

Pornochanchada


Outro dia estava vendo um filme no Canal Brasil de madrugada. Para quem não sabe as madrugadas no canal são famosas por exibirem pornochanchadas brasileiras, filmes com teor sexual, filmes de sacanagem...Existem atrizes que fizeram carreira basicamente como musas desse tipo de filme como Helena Ramos, Aldine Müller, Simone Carvalho, etc..Diretores e produtores realizavam vários filmes por ano onde o que importava eram as cenas de nudez e sexo que o filme iria ter. David Cardoso e Carlo Mossy são ótimos exemplos de cineastas e atores de pornochanchadas". De fato havia uma indústria do sexo no cinema brasileiro começando por comédias eróticas bem bobas dos anos 70, passando pelo erotismo do início dos 80 e chegando até a filmes pornográficos, fator determinante para o fim desse antigo gênero.

Pois bem, o filme que eu assistia era "Essa gostosa brincadeira a dois" de 1973, protagonizado pelos "clássicos" Carlo Mossy e Dilma Lóes. Conforme eu ia assistindo me dei conta que ele tinha coisas boas e que o rótulo pornochanchada era injusto com muitos filmes feitos nessa década. A fotografia era excelente, com ótimos planos que retratavam de forma bem charmosa o Rio de Janeiro da década de 70, a parte técnica era desenvolvida para época, atores bonitos (seriam até aceitos no esquizofrênico padrão estético atual), a trilha sonora no mínimo muito marcante e o roteiro bem amarrado.

Ele contava a história de um casal de amigos que se cansam da vida regrada que levavam no Rio e resolver partir para a Bahia, no estilo "easy rider", sem lugar específico para ficar e data de volta. Lá se desencontram e acabam descobrindo que sempre foram mais que amigos. OK, a história é clichê e tem limitações, mas quantas histórias famosas também não tem. Se Essa Gostosa Brincadeira a Dois fosse um filme americano protagonizado por Warren Beatty e Goldie Hawn seria aplaudido e cultuado até hoje. É um claro exemplo que o termo pornochanchada atrapalha a leitura de várias obras da época. Esse filme não tem nada de erótico, no máximo o título. Tem cenas de nudez, Vera Fischer faz uma participação e fica nua, ou seja nem a protagonista Dilma Lóes aparece pelada nele. Partindo desse pressuposto, Pantanal, Xica da Silva, Riacho Doce e Presença de Anita teriam que ser consideradas porno-novelas, porno-minisséries... Nada a ver.

O fato é que esses filmes devem ser considerados muito mais uma comédia de costumes que uma pornochanchada. Retratavam a rotina e os valores da sociedade daquela época, são filmes despretensiosos que não deixam de ser muito interessantes. São filmes datados, mas não acredito que isso seja ruim. Esse tipo de filme tem o dom de registrar a vida e cotidiano de uma determinada época, é, portanto fundamental para conhecermos nossa história. “Essa Gostosa Brincadeira a Dois” é uma comédia, mas cumpre esse papel de forma excepcional. Em relação ao sexo acho que falar sobre ele e mostrar nudez fazia parte das conquistas e modismos da época, talvez tivesse o mesmo valor que, por exemplo, teria hoje falar sobre o mundo auto-afirmativo dos gays. Ou seja, o tema sexo era inovador, precursor, não era manjado como é atualmente.

Depois falarei mais sobre as características dessas "comédias", linguagem, modismos e estética. Mas já adianto que se filmes como Essa Gostosa Brincadeira, Eu transo, Ela transa (os nomes eram mesmo uma piada), Os Machões, Gente Fina é Outra Coisa e o Bom Marido forem pornochanchadas, então viva a pornochanchada !!!

* foto tirada do site http://www.estranhoencontro.blogspot.com/

domingo, 16 de setembro de 2007

VAIDADE

Marialva não se importou com a cara de poucos amigos que Leleco fez. Disse o que lhe veio à cabeça, não tinha papas na língua. Não o encontrava há um tempo e achou que ele realmente havia decaído, tinha que ser sincera.
- Mas você é mesmo um narcisista!! Imagina...ficar com essa cara emburrada só por causa de um comentário...Você se acha perfeito, por acaso ? Já não é mais nenhum garoto... Chegou aos trinta, deu uma envelhecida, tá com umas rugas, olheiras, barriguinha....Não tem nada demais no que eu falei, não sei porque essa cara...
- Não gostei mesmo. Pode dizer para todos que me irritei, não tem problema. Não achei nem um pouco legal você me dizer isso, me encontra depois de anos e manda essa? Isso não se fala, não tem educação? Já fiquei te criticando assim à toa, já impliquei com algum defeito teu ?? – falava e procurava um espelho tentando se certificar que a “amiga” estava equivocada
- Meu Deus, que absurdo – Marialva não acreditava – Como você consegue conviver com esse ego? Foi só um comentário...Eu deveria imaginar, você sempre foi um mimadinho mesmo. Sempre querendo ouvir elogios, sempre exigindo que eu passasse a mão na sua cabeça. É obcecado por atenção, sempre esteve mais preocupado com si próprio do que comigo. Era sempre assim, me deixava de lado com meus problemas e corria desesperadamente atrás de flerte, atenção...Egocêntrico, tá na hora de crescer !
- Ah, é claro, tinha que começar a lavagem de roupa suja, Marialva. Tudo bem, eu admito, sou vaidoso. Sou uma pessoa sem preconceitos, não passo meu tempo falando mal dos outros, não sou elitista e não julgo a vida de ninguém, mas tenho meus caprichos. Não tenho vergonha de dizer. Gosto de me sentir bonito, desejado e jovem. Me dá uma ótima sensação. É claro que vou me importar quando uma mal resolvida como você vier me criticar. Mal resolvida, sim, se é para falarmos do passado, então vamos lá. Você sempre fez isso. Sempre procurou depreciar os outros para se sentir melhor consigo mesma, para se esquecer do seus complexos, da sua loucura. Quando estávamos juntos eu era ótimo com você, tenho certeza disso. Sempre solícito, sempre tentava te incentivar. Só não me contaminava com a sua negatividade e depressão. Não deixava de falar com as pessoas por sua causa, se às vezes rolava um clima com alguém não era minha culpa, afinal a minha namorada estava sempre triste e irritada. Não corria atrás de nada disso.
- Claro, você nunca tem culpa de nada – ironizou Marialva, a discussão começava a esquentar – Pobre galãzinho, adorado por todos, não podia fazer nada se a namorada tinha problemas, não é mesmo? Está certo, eu tinha mesmo vários problemas, não era uma companhia agradável. Me sentia completamente sozinha, você não dava a mínima pra mim. Me perguntava o que estava havendo por pura diplomacia, para fazer a sua obrigação, não era nem um pouco sincero. É verdade, você era o bon vivant, sempre irritantemente animado, e eu a namorada complexada e triste. Tudo isso era mesmo verdade. O que você não percebe, Leleco, é o que o tempo passou. Passou para todos, inclusive para você, que não aceita isso. Hoje eu sou outra pessoa, uma mulher bem resolvida, tenho um ótimo emprego, evoluo cada vez mais, tenho a confiança de toda cúpula da empresa, um namorado que está longe de ser um galã, mas que é atencioso e bem sucedido. E você? Vive a mesma vida de anos atrás, praia todo dia, chopinho com os amigos, festas...Ainda deve ser sustentado pelos pais...Enfim, sua vida é uma ilusão, você é um velho e ainda não percebeu isso...
As verdades começavam a ser ditas, os complexos viam à tona. Leleco, sempre cavalheiro e ponderado, já havia perdido a paciência:
- Recalcada de merda!! Quem é você para falar desse jeito da minha vida, do meu jeito de ser? Nem todos precisam ser metódicos como você, vagabunda!! E daí, se não sou um exemplo, um burocrata, um empresário de sucesso? Tenho outras prioridades, você não pode chegar e depreciar tudo o que eu faço e acredito. Continuo vivendo uma ótima vida, o tempo passou, eu sei, mas ainda me divirto muito. Saiba que ainda faço muito sucesso com as mulheres, elas me adoram, amam minha simpatia, meu charme, o jeito com que eu faço tudo parecer simples e fácil. Não ouse dizer que eu sou um velho, não vivo como um velho, não pareço um !! Vai descontar seus problemas em outros..Cretina !!
- Humm, parece que toquei no ponto fraco...Pode até continuar a fazer sucesso com essas garotinhas de praia, mas em curto prazo tudo irá se acabar, esteja certo disso. Você está num claro processo de decadência....Na sua cabeça você vive como um Peter Pan, mas está envelhecendo como qualquer pessoa. Você é muito vaidoso, só não tem condições financeiras para sustentar essa vaidade. Entenda, criança, vaidade e beleza de um homem adulto se traduzem em dinheiro, segurança, estabilidade... Não é mais como na adolescência, onde basta ter um rostinho bonito. Você está na merda porque vai perder aquilo que sempre valorizou e não vai ter meios para sustentar seu ego de outra forma. Depressão e rejeição te esperam. Confesso que não vejo a hora disso acontecer. Agüentei por muito tempo a sua euforia estúpida, aquele charme que ofuscava a todos que estavam ao redor, a petulância de quem se considerava uma dádiva de Deus, eu mereço essa sensação, mereço me sentir por cima, vitoriosa. Te ver à beira do precipício me faz bem, Leleco. É uma compensação por tudo que sofri estando na sua companhia, pode ter certeza....
- Escuta bem o que eu te digo, Marialva, eu não estou interessado no futuro !!! Você vai perder esse duelo... Agora é questão de honra !!! Você não verá minha derrocada, nunca serei um velho fracassado...Você sempre me verá assim: jovem bonito, desejado, egocêntrico se essa é a palavra. Uma pessoa especial, o que sempre fui perto de você. Estará velha, decadente e sozinha e se lembrará para sempre de mim assim!!! Meus supostos defeitos atuais não serão defeitos para você, apenas marcas da minha eterna juventude...Você vai ganhar muito dinheiro, ser bem sucedida, arranjar um ótimo casamento, mas nunca terá o que eu tive, Marialva..Nunca terá sido feliz, nunca terá sido especial. Vai pensar em mim como alguém vibrante, sempre com um sorriso no rosto, com um brilho que você nunca teve e nunca terá. Nunca terá, me ouviu bem ? Nunca !!

Leleco, num gesto impulsivo, toma uma faca de um garçom que servia uma picanha na mesa ao lado e a crava de forma certeira no próprio peito. É fulminante. Leleco agoniza com um enorme sorriso, olhando com prazer para Marialva, que não acreditava no que via. Ele havia fugido do futuro nada promissor, se sentia realizado, imune às pragas da rancorosa ex-namorada. O Narciso morria feliz ao lado daquilo que foi a única coisa que sempre amou de verdade, sua própria imagem. Suas angustias e medos se encerravam. Havia conseguido o que sempre sonhou. Sua beleza estava eternizada.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Dois perdidos numa noite vazia

“...Saíram de casa cedo, ainda não eram oito horas, o programa não era animador, mas não agüentavam mais ficar em casa, parece que no final de semana é sempre pior, quando você não tem mil coisas pra fazer e se preocupar. Chovia e fazia frio se é que faz frio no Rio, mas tudo parecia melhor do que o tédio familiar. Jack e Charlie estavam ansiosos quando chegaram a Ipanema, meio sem motivo, afinal assistiriam um show que já visto outras vezes e não encontrariam ninguém em especial. Mas estavam falantes, misturando empolgação e desconfiança, e não pensaram duas vezes antes de pegar uma cerveja mais barata no posto perto do pub onde o show estava rolando. Sempre faziam essa opção como se desse jeito escapassem de toda lógica capitalista, mas não dava pra negar que entre pagar cinco reais num bar e dois num posto de gasolina, a segunda opção era óbvia. Beberam a cerveja correndo e chegaram no show já pela metade. Donna era uma boa cantora, conhecida deles, aristocrata com sinceras pretensões artísticas, cantava um interessante repertório de jazz que parecia não combinar com o ambiente falante e desinteressado do lugar. Sentaram-se na mesa dos amigos, seus amigos elitistas, que não dispensavam bons drinks e uma boa dose de soberba. Na mesa haviam pessoas concentradas, sonolentas ou simplesmente vazias, uma garota bonitinha e irritante que falava de grana, bons programas, de como ela era o máximo, todo aquele papo establishment que quando você ouve dá vontade de sair correndo, se ao menos aquela outra gata que apareceu de repente tivesse dado bola para Jack, uma gostosa marrenta que ele conhecia vagamente e que deixa todo homem cheio de tesão. Charlie não estava nem aí para o show, era incrível como aquele cara conseguia ficar alheio a tudo, fumava seus cigarros e não tirava o olho das atrizinhas de teatro ali presentes, além de uma coroa bonitona e casada que também não parava de dar mole para ele. Apesar disso ele sabia que aquilo não ia dar em nada, a paquera só era um ótimo meio de se distrair de tudo. Havia Michael, grande amigo dos dois, cara empolgado e simpático, amante da boemia, de boas conversas, um cara que melhorava o astral de qualquer lugar. Mas como a maioria dos loucos saudáveis que estão por aí Michael era gay e certamente tinha um ótimo programa perdeção de linha para depois, daqueles que só os viados sabem fazer. Estava fora da alçada dos dois solitários que tinham que partir pra algum lugar depois do martírio da caretice. Entraram no primeiro boteco que apareceu, precisavam beber umas cervas, ligar pra alguém, reclamar e arranjar uma solução logo depois, um ritual indispensável pra eles se sentirem vivos e dispostos de novo. Jack lamentava a falta de mulheres, a chuva fina misturada com o vento frio que impedia que eles bebessem à vontade no meio da rua. Charlie tinha uma postura enigmática, às vezes era zen e parecia saber exatamente o que fazer, em outros momentos era tomado por uma intensa ira por causa de coisas idiotas como um isqueiro quebrado. Nesse meio tempo de cervejas e oscilações de humor conseguiram arranjar um programa, havia uma festa de um conhecido, festa de um pessoal de cinema em Niterói. Valia à pena conferir, essas festas sempre valem, no mínimo seria engraçado ver aqueles intelectuais misturados com umas figuras loucas, todos bêbados e chapados. Já era quase meia-noite quando pegaram uma van na General Osório e partiram para a festa. Nesse momento já eram outros, riam alto, falavam merda, estavam novamente descontraídos e excitados imaginando o que a madrugada iria oferecer para eles....”

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

CARETA

Léo nem acreditou quando aquela gata começou a puxar papo com ele. Já não agüentava mais aquelas aulas sobre a Teoria da Comunicação, sobre como ser um jornalista de sucesso, plano de edição, aquele papo teórico, que merda ficar estudando aquela altura do campeonato, porque não fez isso mais cedo, caras tão malucos quanto ele já estavam formados e ganhando uma boa grana bem gasta em programas que adoraria estar participando. Não tinha saco para a excitação pós adolescente que contaminava a sala, panelinhas, demonstrações explícitas de sabedoria, foi mesmo redentor quando a morena gostosinha de beleza exótica veio até ele e começou a conversar. Justo ela que Léo tinha ficado de olho desde o primeiro dia de aula. Finalmente as coisas naquela faculdade começavam a valer à pena, ela queria saber tudo, sua idade, de onde vinha, porque estava fazendo aquele curso, seus planos...
- Muito gata!! Deve ter se cansado desses pirralhinhos que babam por ela o dia inteiro... Sacou que eu sou diferente de todos - pensou enquanto conversava .
A garota era muito simpática, instigava a todos, falava sobre vários assuntos, sobre os planos de terminar a faculdade em no máximo dois anos, sobre o processo seletivo da Globo, o sonho de ingressar em telejornalismo, defendia a responsabilidade social dos meios de comunicação, achava a sociedade muito competitiva, mas garantia estar preparada para adaptar a ela. Não gostava muito de nights, já havia passado sua época, "tem uma hora que a pessoa tem que começar a acordar para a vida real", disse. Sua rotina era tão corrida que quando chegava o final de semana ela só queria saber de dormir, relaxar e cuidar do corpo (que corpo)...
Léo continuava muito interessado no papo, não sabia se era só pela beleza ou se aquele jeito insinuante e ao mesmo tempo careta de ser estava o contagiando - È perfeita...muito gata - pensou novamente - Eu iria pra qualquer lugar que ela me pedisse, faria qualquer coisa...
Por aquela garota valeria a pena mudar sua rotina, seus velhos conceitos. Trocaria finais de semana de bebedeira por noites serenas e aconchegantes ao lado de uma bela mulher, vendo filminhos no DVD e na televisão. No dia seguinte iriam à praia mesmo que fosse antes do meio dia, por que não? Seria ótimo, afinal teria sexo de ótima qualidade, companhia, carinho e sua saúde e forma física melhorariam naturalmente. Teria que mudar um pouco sua postura também. Tudo bem, afinal o que adianta manter seu espírito contestador, sua postura rebelde? A sociedade não vai mudar, nem ao menos seus amigos e conhecidos irão mudar por sua influência. Provavelmente, um novo visual seria necessário, ela não deve curtir muito esse estilo largado... Adeus cabeleira e barba por fazer. Nada de mais, nesse clima do Rio um visual clean é uma ótima pedida. Obviamente teria que fazer alguns programinhas sacrificantes, almoços e churrascos com a família dela (ela tem cara de ter uma família enorme) não seriam tão ruins assim. Afinal ser bajulado por sogro, sogra, tios e tias, falar exatamente o que eles querem ouvir e comer regadamente não é nenhuma tortura. Finalmente, suas prioridades iriam mudar, talvez o mais difícil de tudo. Festas que nunca terminam, fins de noite na sarjeta, viagens drogadas, pegação com várias mulheres diferentes iriam dar lugar a um gás maior nos estudos, melhorar o CR para arranjar um estágio legal, uma chance de promoção, arrumar um pistolão e encaminhar sua vida. - É inevitável – concluiu - Mais cedo ou mais tarde todos os seus amigos loucos e peguetes fáceis irão desaparecer, era melhor que ele tomasse a iniciativa e mudasse logo de uma vez. Seria bem melhor do que terminar sozinho levantando sua bandeira.

Estava tão concentrado nos seus pensamentos que tomou um susto quando a menina cortou o assunto para atender ao telefone
- Peraí, Léo, namorado ligando !!! Vou atender ali na frente porque não tá dando para ouvir....
Aquilo foi um choque. A principio ficou muito puto com o "estado civil" da bela morena e envergonhado por seus próprios pensamentos, tanto que saiu de fininho do local...Depois de um tempo, voltando pra casa, começou a pensar melhor naquilo tudo. Ela havia despertado coisas que ele nunca tinha pensado e planejado antes. Há muito tempo que não se sentia tão empolgado quanto naqueles minutos de divagação. Talvez aquela garota que ele nem lembrava o nome não fosse mesmo para ele... Talvez ela fosse apenas um anjo que havia aparecido para indicar a possibilidade de um novo mundo. Entediante mundo novo ? Pode até ser, só que mais que o atual? Não tinha mais dúvidas...
Lembrou-se de Carola, menina recatada e amável que sempre teve uma queda por ele... Chegou em casa animado e decidido pensando que talvez conseguisse arrumar um bom programa para aquele dia e para os outros que estavam por vir....

domingo, 26 de agosto de 2007

Afinidades

Gabriel estava distraído no bar. Estava com dois amigos, conhecidos, por assim dizer. Não era um dos programas mais empolgantes, havia saído porque era sexta-feira, depois de uma semana difícil queria sair de casa e relaxar. Não prestava atenção nos assuntos da mesa, seu olhar estava perdido procurando alguma coisa ou alguém mais interessante. De repente avista uma linda garota, uma morena de olhos negros e boca carnuda, de óculos, ar intelectual, fazia um estilo alternativo. Era Mariana que logo também o reconheceu

- Gabriel !!! Quanto tempo !!! Nossa, que saudades de você !!! - Mariana abraçava Gabriel forte, extremamente carinhosa

- É mesmo !!! Quanto tempo hein... - ele era bem mais discreto, embora provavelmente estivesse mais empolgado que ela com aquele reencontro

- E aí ?? Por onde você andou, estava com saudades, quanto tempo, três meses ?? O que tem feito?? - ele inicia o assunto rapidamente tentando fazer um estilo descolado para a menina

- Ai, tenho feito muita coisa...Você sabia que eu entrei pra Artes Cênicas né...Cara, foi muito bom para mim.... To amando, sou outra pessoa !!! Viajei pra Bahia também, fui com uma amiga, fiquei muito doida, me perdi dela, acabei conhecendo um carinha que acabou salvando a minha vida....Foi maravilhoso !! E você, o que tem feito?

- Ah, sei lá.... - Gabriel responde, achando típico tanta coisa ter acontecido com ela, meio constrangido por sua vida ter continuado na mesma rotina - Estou na mesma, escrevendo umas coisas, ainda na faculdade, saindo por aí no final de semana....

- Lembra do Reveillon que a gente passou na Ilha Grande, daquele Carnaval de séculos atrás? ... Da gente bebendo até altas horas na Lapa, em Ipanema....Sempre me lembro dessa época !!

- Pois é !! A boemia não mudou nada !! - ele vira um chopp relativamente cheio e solta uma gargalhada, havia se transformado num personagem boêmio e selvagem – A gente não tem conserto, continuamos saindo e viajando direto, perdendo a linha....

- Tenho muita saudades desses programas...As vezes fico de saco cheio desse pessoal... Daquela coisa de ator, é sempre "me amem, eu sou o máximo, eu sou um merda"... É tudo muito sério, dramático... Óbvio que eu também sou muito assim!! Sou totalmente desse jeito!! Mas às vezes sinto falta de outro tipo de programa, de um pessoal mais tranquilão, sossegado... - ela falava e gesticulava sem parar com sua voz rouca e sexy. Gabriel, como sempre, ouvia atentamente, fascinado e hipnotizado pelo jeito expansivo e cheio de vida daquela garota

- Eu sei do que você sente falta! Você sente falta da gente ! - começava a relaxar e falar mais, culpa das duas cervejas que virou em poucos minutos - Sente falta das nossas viagens, das nossas piadas, de ficar falando besteira e relaxando na praia o dia inteiro, sem nada pra fazer...sente falta de mim !!

- Ahhhh que fofo !! - meiga de uma forma quase fraternal - Você falou tudo...você me conhece mesmo, né ? Sempre conheceu....

- É...acho que sim... Devo conhecer... - responde timidamente, inibido pela deixa, nunca teve atitude suficiente para aproveitar uma oportunidade daquela e falar como realmente se sentia.

Justamente nesse momento aparecem do nada duas meninas agitadas e falando alto:

- Mari !!! Que merda, foi mal pelo atraso...Você não sabe o perrengue que foi chegar aqui...Cara, a gente tem que ir agora, já estamos atrasadas - tinham o mesmo estilo e jeito de falar de Mariana, porém sem o mesmo brilho natural da musa de Gabriel

- Nossa, sequelei, estamos super atrasadas, temos que ir!!! A gente vai na festa da Fernandinha Almeida...Ela é um saco, mas as festas são fodas !! Vamos nos falar, Gabriel, beijão !!! - num instante se esqueceu do assunto e se despediu rapidamente..

Mais uma vez ela desaparecia de uma hora para outra como sempre acontecia, justo no momento em que ele estava começando a acompanhar seu ritmo. Gabriel não voltou a conversar com seus amigos malas. Ficou pensando no casal que nunca daria certo. Será que era culpa dele, por nunca ter tido a coragem de ser mais audacioso e instintivo, por nunca ter tentado nada com a garota por quem sempre fora apaixonado? Ou seria dela, muito egocêntrica e indiferente, que nunca teve a sensibilidade de perceber o ótimo cara que sempre esteve por perto? Talvez de nenhum dos dois. Provavelmente era mais um exemplo que na maioria das vezes gostar de alguém não é algo recíproco e que um relacionamento requer coisas muito mais complexas e ao mesmo tempo mais simples do que uma mera afinidade....

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Contracultura e Establishment

Tudo bem, falar mal do establishment é uma coisa bem recorrente. Criticar o capitalismo, dizer que nós vivemos numa feroz sociedade de consumo não é nenhuma novidade. O que realmente importa é saber se existe e como pode aparecer uma manifestação que possa servir de alternativa a tudo isso que já encheu o saco. A famosa contracultura, admirada por uns e ridicularizada por outros pode servir de alternativa cultural e comportamental pra gente? Aonde que ela errou? Deve ser reinventada, adaptada?
O fato é que há um clima nebuloso no ar...Acho que a minha geração está começando a experimentar a necessidade de ter que se adaptar. Estão sumindo os loucos, irresponsáveis, boêmios, enfim, todos aqueles que pareciam viver num mundo paralelo. Os cabelos estão mais curtos, os assuntos mudaram. Não se falam de festas, bebedeiras, viagens e mulheres como antes... Até aí tudo bem, faz parte do processo. O grande problema é que essa alienação juvenil não foi substituída por um processo de criatividade, um despertar artístico e intelectual e sim pelos velhos mandamentos do establishment. Os assuntos e preocupações se resumem apenas no estágio de fulano, as perspectivas profissionais de sicrano, pós-graduação, empreendimento... A regra básica é se tornar um espelho da família, caso estes sejam bem sucedidos e seguir uma série de mandamentos pré-estabelecidos para se atingir ao sucesso. No campo pessoal o recomendável é arrumar uma namorada certinha e centrada e, principalmente, sossegar... Do que se trata a coluna então? Um manifesto retrô, de um admirador do espírito contestador e transgressor do passado? Admito que em parte o estereotipo é verdadeiro. No entanto, esse manifesto é modesto, não tem grandes ilusões. Propõe apenas um relaxamento nessa pressão que é colocada nas nossas costas a cada ano que passa. Tudo bem, precisamos nos adaptar a certos padrões, principalmente àqueles que vão nos garantir uma vida saudável. O que é errado é comprar todo pacote que nos é apresentado e viver uma vida cheia de etapas marcadas, previsíveis, um futuro vazio e pré-estabelecido. Principalmente os pseudo-velhos, jovens na faixa dos vinte anos, precisam entender que ainda tem muito que viver, que não precisam se esconder dentro de nenhuma estrutura e podem se permitir a novas experiências, abrir a cabeça, viver momentos de curtição e até mesmo não se comprometer com nada. A imaturidade não pode ser vista como motivo de incompetência ou depreciação. Se há uma vantagem em vivermos mais que nossos pais e avós é o tempo maior que temos em aprender a viver. Acredito cada vez mais que a condição de aprendiz entre estes “mais velhos” é muito mais um mérito do que qualquer outra coisa.
O grande desafio contemporâneo é encontrar um equilíbrio entre ser responsável e independente sem destruir a juventude que a gente ainda tem. Dessa forma, seria superada a dicotomia entre o transgressor, com intensa criatividade, mas perdido dentro da sociedade, e o padronizado, adaptado às regras e frustrado com a própria vida. Contracultura e Establishment se completam se forem absorvidos na medida e tempo certos e é nisso que eu irei acreditar enquanto for possível.