domingo, 29 de junho de 2008

Processo Criativo

" Não se preocupe com esse bloqueio. Estarei lhe enviando uma boa quantidade em dinheiro para que você possa viajar, viver coisas novas e buscar inspiração para escrever novamente..."

Mencken (editor) para Arturo Bandini em Pergunte ao pó





CADÊ A GRANA ???

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O Homem que ama o passado


Aquele era o ponto alto do dia. Duas horas da tarde já era o suficiente para fechar tudo e ir embora. Nenhum professor para pedir qualquer documento, nenhum prazo importante acabando, o que já seria motivo para que a sala se enchesse de alunos chatos e impacientes querendo que ele resolvesse tudo em um minuto. Era apenas um dia comum dentro de um remoto Departamento de Filosofia de uma universidade federal, escondido no final de um corredor. Ninguém notaria, e se notasse, não faria a menor diferença. Vantagens do funcionalismo público. No caminho da barca Niterói/Rio, a espectativa aumenta. Não aguenta mais o aglomerado, as conversas fúteis, o calor, só quer chegar logo num lugar que fuja de toda aquela rotina. Após alguns minutos de caminhada pelo centro da cidade ele finalmente chega ao seu objetivo. Agora é só relaxar e aproveitar.

A Biblioteca é ampla, silenciosa, com um razoável ar-condicionado, o suficiente para ele. Ali ele pode entrar no seu mundo particular, um mundo idealizado, mais puro, intenso, interessante. Seja assistindo microfilmes ou folheando revistas e jornais, ele começa a sua viagem ao passado. Nada melhor que ler e assistir algo com a perspectiva do exato periodo em que foi feito para captar o espirito real de uma determinada época. A fascinante viagem não possui regra, cronologia definida. Pode sempre escolher seu destino, só depende do gosto do momento. Passear pelos românticos anos cinquenta, participar da efervecência dos sessenta, com seu idealismo e preceitos revolucionários. Ou simplesmente viajar pelos loucos anos setenta, se estiver apenas em busca de trangressão e curtição. A viagem é intensa, ele conhece intimamente pessoas da qual passara a vida sem ouvir falar, descobre culturas escondidas, tanto aquela mais particular que se refere ao seu bairro, sua cidade quanto à mais global possível. É literalmente apresentado a um admirável mundo novo, por mais paradoxal que isso seja. Sai da biblioteca inebriado, renovado, certo de que existiu em algum lugar do passado um mundo cheio de possibilidades, pessoas vivendo intensamente, criando, tudo distante da apatia geral do habitat onde vive. Se sente inspirado a carregar esse legado para sua vida.
Aos poucos, vai voltando ao seu próprio universo vazio, movido pela falta de perspectivas, alienação geral e individualismo exacerbado. A melancolia e pessimismo vai tomando conta novamente, no fundo ele sabe que tudo aquilo que conheceu, que descobriu é insuficiente para mudar sua vida, não vivendo numa época tão distinta. Sabe que precisará de uma nova visita em breve. Se sente um estranho, perdido num tempo que nunca foi o seu.

É sempre sim. Em certos momentos, porém, muitos raros, não consegue controlar uma irritante autocrítica e indaga se tudo não é uma patética forma de fuga, se não está perdendo o seu tempo idealizando as coisas, ao invés de tentar vivê-las simplesmente como elas são. Como seria se no futuro passasse a sentir saudades de coisas que hoje despreza, como se sentiria? O que pode dizer um homem resignado com sua vida, seu emprego, extremamente crítico com as pessoas, mas sem a menor coragem de se relacionar com elas? Alguém que aos vinte e oito anos preferiu perder anos da sua juventude cultivando patéticas paixões platônicas como se fosse um velho de oitenta saudoso dos tempos de vitalidade, ao invés de investir em alguma coisa concreta. Será que uma pessoa como essa tem algum respaldo para criticar a sua geração? Por alguns momentos, duvida que tenha chegado a conhece-la.
Por sorte os pensamentos cessam, a velha arrogância volta e a redoma se fortifica novamente. Volta a pensar no mundo ideal que não teve a sorte de viver. Graças a Deus, não é sua culpa. Como sempre.

domingo, 16 de março de 2008

VIDA BANDIDA


Já repararam que o cinema atual é obcecado com a criminalidade? Claro, retratar a vida bandida sempre foi atraente, sempre foi garantia de sucesso, vide Bonnie and Clyde, O Poderoso Chefão, Scarface, entre outros sucessos do gênero. O intrigante para mim é a repetição da sinopse "jovens ricos de vida vazia buscam no mundo do crime uma forma de diversão e grana fácil". Já virou um clichê: filmes que retratam jovens precisam entrar no universo de crime, tráfico de drogas e vandalismo. Vemos isso à exaustão tanto no cinema nacional quanto no estrangeiro. Tanto os gringos Alphadog, Garotas sem limite (Havoc), quanto os brasileiros Meu nome não Johnny, O Magnata, Ódiquê e por que não, Tropa de Elite são alguns exemplos de filmes que mostram uma juventude vazia que em busca de diversão e emoção na vida acaba se envolvendo com o submundo e crime.

Para mim, o problema não é a presença da criminalidade em si. Acho que roteiros com essa temática geralmente são muito bem amarrados, interessantes de se ler, escrever e assistir. Eu mesmo já tive ideias exatamente iguais ao objeto da crítica. O que me incomoda é a idéia subentendida que a diversão está diretamente ligada ao crime. A impressão que estes filmes me passam é que uma vida boêmia passa, invariavelmente, por algum tipo de contato com a contravenção.

Não nego que muitas vezes os dois mundos se encontrem, o consumo de drogas, o contato com a vida noturna leva naturalmente as pessoas a ter um contato maior com o lado "obscuro" da vida. Mas acho preocupante quando vejo que só se consegue retratar o irresponsável mundo jovem quando este está ligado ao crime e violência. Como se não houvesse meio termo, se você tem principios éticos é um careta, se não tem provavelmente leva uma vida agitada e divertida. Fico pensando que no passado existiu uma geração com vocação para boemia, festas e mulheres que nunca precisou vender drogas, matar rivais ou assaltar lojas para dar emoção a propria vida. Ficavam loucos, eram inconsequentes, mas também criavam, seja escrevendo, fazendo música, atuando ou simplesmente indo para o seu emprego no dia seguinte.

Acho que essa repetição temática não está só ligada a conjuntura social que vivemos. Tem a ver também com a eterna postura assumida pela classe média quando alguma coisa estraga o seu mundo perfeito. A busca por um culpado imediato. Dessa forma, se seus filhos se envolvem com o crime e se tornam bandidos a culpa é da vida desregrada e irresponsável que levam. Não costuma ser questionado os motivos principais, mais complexos, que levaram os jovens a entrar nessa vida: a sua total alienação, tédio e falta de personalidade diante do mundo em que vivem. Fico pensando se isso também não se aplica aos roteiristas e cineastas. Estarão eles cumprindo um papel importante ao retratar com fidelidade a juventude contemporânea? Ou, ao reproduzir a histeria moralista da classe média, estão simplesmente entediados com a redoma cult onde vivem, desejando no fundo ter uma vida mais "emocionante", mesmo que seja só no papel? Temo pela segunda opção.

sábado, 1 de março de 2008

Eu contra o mundo

Eu contra o mundo. É como tenho me sentido nos últimos tempos. Minha impotência diante de tudo o que acho errado tem me deixado definitivamente impaciente e desiludido. Quando chegamos a esse estado temos alguns caminhos a seguir: a depressão e reclusão, a aceitação passiva à falta de adaptação ao mundo. A outra opção é partir para o confronto. Tolerância zero, ataque a tudo aquilo que te incomoda, seja por meio de ironia, indiferença ou agressão, se for preciso. Uma opção radical, esse é o caminho que escolhi.
Muitos podem pensar que essa ode à agressividade é um absurdo, fruto de uma cabeça doentia que quer descontar no mundo toda a sua frustração. Garanto que não é. Aliás, confesso que toda essa insatisfação tem me trazido uma paz interior muito grande. É estranho, mas a partir do momento em que se assume uma postura mais combativa diante do mundo, sem excesso de diplomacia, ponderação e aceitação forçada, você começa a chegar perto da tal da liberdade. Não estou querendo dizer que devemos nos portar como aquele personagem do Michael Douglas em “Um dia fúria” e sair por aí quebrando lojas, arrumando brigas e tramando assassinar algum desafeto. É algo bom de se pensar às vezes, mas que fique só na vontade. O que eu defendo é que de vez em quando a gente mande um grande foda-se para certas convenções, regras sociais e valores e deixemos fluir de forma mais contundente nossas opiniões e sensações. Eu, pelo menos acredito que ainda tenha bom senso suficiente para saber aonde, o que e quando deva liberar essa agressividade. Sabendo isso, é só deixar rolar.
Esse manifesto não quer tentar convencer que a revolta seja a mais saudável e recomendável sensação humana. Eu sei que não é e nem pretendo que ela seja minha prioridade para o resto da vida. Me imagino sereno e espiritualizado num futuro próximo ou distante. Apenas acredito que todos nós precisamos de uma fase onde a indignação fique, digamos, mais exacerbada. Algumas pessoas podem até não precisar, conheço gente que é uma pilha desde que nasceu, para estes só recomendo semanas relaxando na praia, cachoeira, sessões de meditação, entre outras coisas. Mas não é o meu caso. Para mim que sempre fui muito ponderado, idealista, “um típico humanista” como diz um amigo meu, um chute no balde me parece fundamental. Todas as tentativas de se adaptar e entender os outros nunca me trouxeram nada, apenas angustia e decepção. Por isso, não me preocupo nem um pouco com aqueles que se ofenderem ao longo da jornada. Aqueles que desaparecerem com a minha fase sincericida serão apenas os que já não fazem a menor falta.
Eu contra o mundo. Argumentação coerente contra a hipocrisia vigente ou desespero de quem não consegue se encontrar? Tanto faz, o fato é que embarquei nessa e estou gostando. Sei que um dia a minha realidade será outra, mas ainda sim me lembrarei com orgulho dessa fase onde tive que “pegar em armas” e partir para uma guerra particular. O zen saberá que só chegou a tal sabedoria graças às batalhas travadas pelo inconformado do passado.

sábado, 13 de outubro de 2007

Pornochanchada


Outro dia estava vendo um filme no Canal Brasil de madrugada. Para quem não sabe as madrugadas no canal são famosas por exibirem pornochanchadas brasileiras, filmes com teor sexual, filmes de sacanagem...Existem atrizes que fizeram carreira basicamente como musas desse tipo de filme como Helena Ramos, Aldine Müller, Simone Carvalho, etc..Diretores e produtores realizavam vários filmes por ano onde o que importava eram as cenas de nudez e sexo que o filme iria ter. David Cardoso e Carlo Mossy são ótimos exemplos de cineastas e atores de pornochanchadas". De fato havia uma indústria do sexo no cinema brasileiro começando por comédias eróticas bem bobas dos anos 70, passando pelo erotismo do início dos 80 e chegando até a filmes pornográficos, fator determinante para o fim desse antigo gênero.

Pois bem, o filme que eu assistia era "Essa gostosa brincadeira a dois" de 1973, protagonizado pelos "clássicos" Carlo Mossy e Dilma Lóes. Conforme eu ia assistindo me dei conta que ele tinha coisas boas e que o rótulo pornochanchada era injusto com muitos filmes feitos nessa década. A fotografia era excelente, com ótimos planos que retratavam de forma bem charmosa o Rio de Janeiro da década de 70, a parte técnica era desenvolvida para época, atores bonitos (seriam até aceitos no esquizofrênico padrão estético atual), a trilha sonora no mínimo muito marcante e o roteiro bem amarrado.

Ele contava a história de um casal de amigos que se cansam da vida regrada que levavam no Rio e resolver partir para a Bahia, no estilo "easy rider", sem lugar específico para ficar e data de volta. Lá se desencontram e acabam descobrindo que sempre foram mais que amigos. OK, a história é clichê e tem limitações, mas quantas histórias famosas também não tem. Se Essa Gostosa Brincadeira a Dois fosse um filme americano protagonizado por Warren Beatty e Goldie Hawn seria aplaudido e cultuado até hoje. É um claro exemplo que o termo pornochanchada atrapalha a leitura de várias obras da época. Esse filme não tem nada de erótico, no máximo o título. Tem cenas de nudez, Vera Fischer faz uma participação e fica nua, ou seja nem a protagonista Dilma Lóes aparece pelada nele. Partindo desse pressuposto, Pantanal, Xica da Silva, Riacho Doce e Presença de Anita teriam que ser consideradas porno-novelas, porno-minisséries... Nada a ver.

O fato é que esses filmes devem ser considerados muito mais uma comédia de costumes que uma pornochanchada. Retratavam a rotina e os valores da sociedade daquela época, são filmes despretensiosos que não deixam de ser muito interessantes. São filmes datados, mas não acredito que isso seja ruim. Esse tipo de filme tem o dom de registrar a vida e cotidiano de uma determinada época, é, portanto fundamental para conhecermos nossa história. “Essa Gostosa Brincadeira a Dois” é uma comédia, mas cumpre esse papel de forma excepcional. Em relação ao sexo acho que falar sobre ele e mostrar nudez fazia parte das conquistas e modismos da época, talvez tivesse o mesmo valor que, por exemplo, teria hoje falar sobre o mundo auto-afirmativo dos gays. Ou seja, o tema sexo era inovador, precursor, não era manjado como é atualmente.

Depois falarei mais sobre as características dessas "comédias", linguagem, modismos e estética. Mas já adianto que se filmes como Essa Gostosa Brincadeira, Eu transo, Ela transa (os nomes eram mesmo uma piada), Os Machões, Gente Fina é Outra Coisa e o Bom Marido forem pornochanchadas, então viva a pornochanchada !!!

* foto tirada do site http://www.estranhoencontro.blogspot.com/

domingo, 16 de setembro de 2007

VAIDADE

Marialva não se importou com a cara de poucos amigos que Leleco fez. Disse o que lhe veio à cabeça, não tinha papas na língua. Não o encontrava há um tempo e achou que ele realmente havia decaído, tinha que ser sincera.
- Mas você é mesmo um narcisista!! Imagina...ficar com essa cara emburrada só por causa de um comentário...Você se acha perfeito, por acaso ? Já não é mais nenhum garoto... Chegou aos trinta, deu uma envelhecida, tá com umas rugas, olheiras, barriguinha....Não tem nada demais no que eu falei, não sei porque essa cara...
- Não gostei mesmo. Pode dizer para todos que me irritei, não tem problema. Não achei nem um pouco legal você me dizer isso, me encontra depois de anos e manda essa? Isso não se fala, não tem educação? Já fiquei te criticando assim à toa, já impliquei com algum defeito teu ?? – falava e procurava um espelho tentando se certificar que a “amiga” estava equivocada
- Meu Deus, que absurdo – Marialva não acreditava – Como você consegue conviver com esse ego? Foi só um comentário...Eu deveria imaginar, você sempre foi um mimadinho mesmo. Sempre querendo ouvir elogios, sempre exigindo que eu passasse a mão na sua cabeça. É obcecado por atenção, sempre esteve mais preocupado com si próprio do que comigo. Era sempre assim, me deixava de lado com meus problemas e corria desesperadamente atrás de flerte, atenção...Egocêntrico, tá na hora de crescer !
- Ah, é claro, tinha que começar a lavagem de roupa suja, Marialva. Tudo bem, eu admito, sou vaidoso. Sou uma pessoa sem preconceitos, não passo meu tempo falando mal dos outros, não sou elitista e não julgo a vida de ninguém, mas tenho meus caprichos. Não tenho vergonha de dizer. Gosto de me sentir bonito, desejado e jovem. Me dá uma ótima sensação. É claro que vou me importar quando uma mal resolvida como você vier me criticar. Mal resolvida, sim, se é para falarmos do passado, então vamos lá. Você sempre fez isso. Sempre procurou depreciar os outros para se sentir melhor consigo mesma, para se esquecer do seus complexos, da sua loucura. Quando estávamos juntos eu era ótimo com você, tenho certeza disso. Sempre solícito, sempre tentava te incentivar. Só não me contaminava com a sua negatividade e depressão. Não deixava de falar com as pessoas por sua causa, se às vezes rolava um clima com alguém não era minha culpa, afinal a minha namorada estava sempre triste e irritada. Não corria atrás de nada disso.
- Claro, você nunca tem culpa de nada – ironizou Marialva, a discussão começava a esquentar – Pobre galãzinho, adorado por todos, não podia fazer nada se a namorada tinha problemas, não é mesmo? Está certo, eu tinha mesmo vários problemas, não era uma companhia agradável. Me sentia completamente sozinha, você não dava a mínima pra mim. Me perguntava o que estava havendo por pura diplomacia, para fazer a sua obrigação, não era nem um pouco sincero. É verdade, você era o bon vivant, sempre irritantemente animado, e eu a namorada complexada e triste. Tudo isso era mesmo verdade. O que você não percebe, Leleco, é o que o tempo passou. Passou para todos, inclusive para você, que não aceita isso. Hoje eu sou outra pessoa, uma mulher bem resolvida, tenho um ótimo emprego, evoluo cada vez mais, tenho a confiança de toda cúpula da empresa, um namorado que está longe de ser um galã, mas que é atencioso e bem sucedido. E você? Vive a mesma vida de anos atrás, praia todo dia, chopinho com os amigos, festas...Ainda deve ser sustentado pelos pais...Enfim, sua vida é uma ilusão, você é um velho e ainda não percebeu isso...
As verdades começavam a ser ditas, os complexos viam à tona. Leleco, sempre cavalheiro e ponderado, já havia perdido a paciência:
- Recalcada de merda!! Quem é você para falar desse jeito da minha vida, do meu jeito de ser? Nem todos precisam ser metódicos como você, vagabunda!! E daí, se não sou um exemplo, um burocrata, um empresário de sucesso? Tenho outras prioridades, você não pode chegar e depreciar tudo o que eu faço e acredito. Continuo vivendo uma ótima vida, o tempo passou, eu sei, mas ainda me divirto muito. Saiba que ainda faço muito sucesso com as mulheres, elas me adoram, amam minha simpatia, meu charme, o jeito com que eu faço tudo parecer simples e fácil. Não ouse dizer que eu sou um velho, não vivo como um velho, não pareço um !! Vai descontar seus problemas em outros..Cretina !!
- Humm, parece que toquei no ponto fraco...Pode até continuar a fazer sucesso com essas garotinhas de praia, mas em curto prazo tudo irá se acabar, esteja certo disso. Você está num claro processo de decadência....Na sua cabeça você vive como um Peter Pan, mas está envelhecendo como qualquer pessoa. Você é muito vaidoso, só não tem condições financeiras para sustentar essa vaidade. Entenda, criança, vaidade e beleza de um homem adulto se traduzem em dinheiro, segurança, estabilidade... Não é mais como na adolescência, onde basta ter um rostinho bonito. Você está na merda porque vai perder aquilo que sempre valorizou e não vai ter meios para sustentar seu ego de outra forma. Depressão e rejeição te esperam. Confesso que não vejo a hora disso acontecer. Agüentei por muito tempo a sua euforia estúpida, aquele charme que ofuscava a todos que estavam ao redor, a petulância de quem se considerava uma dádiva de Deus, eu mereço essa sensação, mereço me sentir por cima, vitoriosa. Te ver à beira do precipício me faz bem, Leleco. É uma compensação por tudo que sofri estando na sua companhia, pode ter certeza....
- Escuta bem o que eu te digo, Marialva, eu não estou interessado no futuro !!! Você vai perder esse duelo... Agora é questão de honra !!! Você não verá minha derrocada, nunca serei um velho fracassado...Você sempre me verá assim: jovem bonito, desejado, egocêntrico se essa é a palavra. Uma pessoa especial, o que sempre fui perto de você. Estará velha, decadente e sozinha e se lembrará para sempre de mim assim!!! Meus supostos defeitos atuais não serão defeitos para você, apenas marcas da minha eterna juventude...Você vai ganhar muito dinheiro, ser bem sucedida, arranjar um ótimo casamento, mas nunca terá o que eu tive, Marialva..Nunca terá sido feliz, nunca terá sido especial. Vai pensar em mim como alguém vibrante, sempre com um sorriso no rosto, com um brilho que você nunca teve e nunca terá. Nunca terá, me ouviu bem ? Nunca !!

Leleco, num gesto impulsivo, toma uma faca de um garçom que servia uma picanha na mesa ao lado e a crava de forma certeira no próprio peito. É fulminante. Leleco agoniza com um enorme sorriso, olhando com prazer para Marialva, que não acreditava no que via. Ele havia fugido do futuro nada promissor, se sentia realizado, imune às pragas da rancorosa ex-namorada. O Narciso morria feliz ao lado daquilo que foi a única coisa que sempre amou de verdade, sua própria imagem. Suas angustias e medos se encerravam. Havia conseguido o que sempre sonhou. Sua beleza estava eternizada.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Dois perdidos numa noite vazia

“...Saíram de casa cedo, ainda não eram oito horas, o programa não era animador, mas não agüentavam mais ficar em casa, parece que no final de semana é sempre pior, quando você não tem mil coisas pra fazer e se preocupar. Chovia e fazia frio se é que faz frio no Rio, mas tudo parecia melhor do que o tédio familiar. Jack e Charlie estavam ansiosos quando chegaram a Ipanema, meio sem motivo, afinal assistiriam um show que já visto outras vezes e não encontrariam ninguém em especial. Mas estavam falantes, misturando empolgação e desconfiança, e não pensaram duas vezes antes de pegar uma cerveja mais barata no posto perto do pub onde o show estava rolando. Sempre faziam essa opção como se desse jeito escapassem de toda lógica capitalista, mas não dava pra negar que entre pagar cinco reais num bar e dois num posto de gasolina, a segunda opção era óbvia. Beberam a cerveja correndo e chegaram no show já pela metade. Donna era uma boa cantora, conhecida deles, aristocrata com sinceras pretensões artísticas, cantava um interessante repertório de jazz que parecia não combinar com o ambiente falante e desinteressado do lugar. Sentaram-se na mesa dos amigos, seus amigos elitistas, que não dispensavam bons drinks e uma boa dose de soberba. Na mesa haviam pessoas concentradas, sonolentas ou simplesmente vazias, uma garota bonitinha e irritante que falava de grana, bons programas, de como ela era o máximo, todo aquele papo establishment que quando você ouve dá vontade de sair correndo, se ao menos aquela outra gata que apareceu de repente tivesse dado bola para Jack, uma gostosa marrenta que ele conhecia vagamente e que deixa todo homem cheio de tesão. Charlie não estava nem aí para o show, era incrível como aquele cara conseguia ficar alheio a tudo, fumava seus cigarros e não tirava o olho das atrizinhas de teatro ali presentes, além de uma coroa bonitona e casada que também não parava de dar mole para ele. Apesar disso ele sabia que aquilo não ia dar em nada, a paquera só era um ótimo meio de se distrair de tudo. Havia Michael, grande amigo dos dois, cara empolgado e simpático, amante da boemia, de boas conversas, um cara que melhorava o astral de qualquer lugar. Mas como a maioria dos loucos saudáveis que estão por aí Michael era gay e certamente tinha um ótimo programa perdeção de linha para depois, daqueles que só os viados sabem fazer. Estava fora da alçada dos dois solitários que tinham que partir pra algum lugar depois do martírio da caretice. Entraram no primeiro boteco que apareceu, precisavam beber umas cervas, ligar pra alguém, reclamar e arranjar uma solução logo depois, um ritual indispensável pra eles se sentirem vivos e dispostos de novo. Jack lamentava a falta de mulheres, a chuva fina misturada com o vento frio que impedia que eles bebessem à vontade no meio da rua. Charlie tinha uma postura enigmática, às vezes era zen e parecia saber exatamente o que fazer, em outros momentos era tomado por uma intensa ira por causa de coisas idiotas como um isqueiro quebrado. Nesse meio tempo de cervejas e oscilações de humor conseguiram arranjar um programa, havia uma festa de um conhecido, festa de um pessoal de cinema em Niterói. Valia à pena conferir, essas festas sempre valem, no mínimo seria engraçado ver aqueles intelectuais misturados com umas figuras loucas, todos bêbados e chapados. Já era quase meia-noite quando pegaram uma van na General Osório e partiram para a festa. Nesse momento já eram outros, riam alto, falavam merda, estavam novamente descontraídos e excitados imaginando o que a madrugada iria oferecer para eles....”