quinta-feira, 10 de abril de 2008

O Homem que ama o passado


Aquele era o ponto alto do dia. Duas horas da tarde já era o suficiente para fechar tudo e ir embora. Nenhum professor para pedir qualquer documento, nenhum prazo importante acabando, o que já seria motivo para que a sala se enchesse de alunos chatos e impacientes querendo que ele resolvesse tudo em um minuto. Era apenas um dia comum dentro de um remoto Departamento de Filosofia de uma universidade federal, escondido no final de um corredor. Ninguém notaria, e se notasse, não faria a menor diferença. Vantagens do funcionalismo público. No caminho da barca Niterói/Rio, a espectativa aumenta. Não aguenta mais o aglomerado, as conversas fúteis, o calor, só quer chegar logo num lugar que fuja de toda aquela rotina. Após alguns minutos de caminhada pelo centro da cidade ele finalmente chega ao seu objetivo. Agora é só relaxar e aproveitar.

A Biblioteca é ampla, silenciosa, com um razoável ar-condicionado, o suficiente para ele. Ali ele pode entrar no seu mundo particular, um mundo idealizado, mais puro, intenso, interessante. Seja assistindo microfilmes ou folheando revistas e jornais, ele começa a sua viagem ao passado. Nada melhor que ler e assistir algo com a perspectiva do exato periodo em que foi feito para captar o espirito real de uma determinada época. A fascinante viagem não possui regra, cronologia definida. Pode sempre escolher seu destino, só depende do gosto do momento. Passear pelos românticos anos cinquenta, participar da efervecência dos sessenta, com seu idealismo e preceitos revolucionários. Ou simplesmente viajar pelos loucos anos setenta, se estiver apenas em busca de trangressão e curtição. A viagem é intensa, ele conhece intimamente pessoas da qual passara a vida sem ouvir falar, descobre culturas escondidas, tanto aquela mais particular que se refere ao seu bairro, sua cidade quanto à mais global possível. É literalmente apresentado a um admirável mundo novo, por mais paradoxal que isso seja. Sai da biblioteca inebriado, renovado, certo de que existiu em algum lugar do passado um mundo cheio de possibilidades, pessoas vivendo intensamente, criando, tudo distante da apatia geral do habitat onde vive. Se sente inspirado a carregar esse legado para sua vida.
Aos poucos, vai voltando ao seu próprio universo vazio, movido pela falta de perspectivas, alienação geral e individualismo exacerbado. A melancolia e pessimismo vai tomando conta novamente, no fundo ele sabe que tudo aquilo que conheceu, que descobriu é insuficiente para mudar sua vida, não vivendo numa época tão distinta. Sabe que precisará de uma nova visita em breve. Se sente um estranho, perdido num tempo que nunca foi o seu.

É sempre sim. Em certos momentos, porém, muitos raros, não consegue controlar uma irritante autocrítica e indaga se tudo não é uma patética forma de fuga, se não está perdendo o seu tempo idealizando as coisas, ao invés de tentar vivê-las simplesmente como elas são. Como seria se no futuro passasse a sentir saudades de coisas que hoje despreza, como se sentiria? O que pode dizer um homem resignado com sua vida, seu emprego, extremamente crítico com as pessoas, mas sem a menor coragem de se relacionar com elas? Alguém que aos vinte e oito anos preferiu perder anos da sua juventude cultivando patéticas paixões platônicas como se fosse um velho de oitenta saudoso dos tempos de vitalidade, ao invés de investir em alguma coisa concreta. Será que uma pessoa como essa tem algum respaldo para criticar a sua geração? Por alguns momentos, duvida que tenha chegado a conhece-la.
Por sorte os pensamentos cessam, a velha arrogância volta e a redoma se fortifica novamente. Volta a pensar no mundo ideal que não teve a sorte de viver. Graças a Deus, não é sua culpa. Como sempre.

Um comentário:

Marcos disse...

fala
tá escrevendo bem hein. o último parágrafo foi sinistro...

abç
Marcos